Professor associa queda da militância ideológica ao crescimento do PT

3 de outubro de 2010
Por Mariana Pitasse Fragoso




Confusão na praça Nilo Peçanha, em Niterói: cabos eleitorais disputam espaço para panfletagem. Nada a ver com a batalha de idéias de outros tempos. Para o professor de Ciência Política Francisco Ferraz, aposentado da UFF e da UFRJ e atualmente no IBMEC, o contraste entre a militância apaixonada de antes e o quadro de agora tem a ver com a própria trajetória do PT nesses 30 anos de existência.

“Essa noção de que a campanha eleitoral se despolitizou, no sentido de se tornar mercenária, reflete um fenômeno típico da oligarquização do PT, que surgiu com uma grande carga ideológica e hoje está vivenciando o processo de burocratização partidária”.

Esta é, segundo o professor, uma tendência inevitável no contexto de crescimento partidário: “cria-se uma estrutura comum a qualquer grande associação do sistema capitalista: a burocracia”. Uma das consequências é o distanciamento da elite em relação às bases partidárias, e portanto o distanciamento do apelo ideológico para a militância voluntária, que tende a se restringir aos pequenos partidos de esquerda.

Politização ao velho estilo moralista


Ferraz discorda, porém, de que esta campanha tenha sido despolitizada. “Eu não usaria esse termo, usaria assalariamento da campanha eleitoral, esvaziamento no sentido de militância espontânea. Mas hoje a campanha está extremamente politizada, embora ao velho estilo, com um partido falando de moralidade e acusando o governo de todas as imoralidades do mundo”.



Em épocas passadas, entretanto, o cenário era muito distinto. “O PTB conseguia movimentar massas contra os reacionários, os entreguistas. Já a UDN coordenou a ‘Marcha da família com Deus pela liberdade’, que foi o movimento de massa pré-legitimador do golpe de 64. Essas pessoas não foram pagas pra isso, era um paixão anticomunista, o medo de o Jango transformar o Brasil numa república sindicalista”, recorda o professor.

A experiência na ditadura


Já durante o período ditatorial a ânsia por liberdade reuniu gente das mais distintas posições políticas. “Passei a ditadura inteira sendo fiscalizado, entrando pessoal na minha sala de aula pra ver se eu dava presença para aluno que não estava em sala, porque poderiam ser comunistas procurados e eu estaria colaborando para induzir a polícia a erro”, diz Ferraz, que nessa época dividia seu tempo entre a UFRJ e a UFF e, como outros colegas, teve problemas para ser efetivado no quadro permanente dessas universidades, porque não conseguia o atestado ideológico, exigido na época por um “decreto secreto”.

“Pelo decreto eu não podia tomar posse, mas o decreto não podia vir a público, porque não existia esse decreto, era decreto secreto, uma coisa de louco. Imagina uma pessoa que passa por uma situação dessas, ou ainda pior, e tem a oportunidade de eleger alguém que mude essa realidade: você vai à luta por um ideal, você não vai pedir dinheiro para ir lutar contra a ditadura”.

A acomodação e a esperança


Ferraz considera que atualmente está havendo uma acomodação do sentido da militância, mas não perda ideológica: “há uma crescente mercantilização da política, esse é um fenômeno muito pontual do PT, que virou um grande partido e está no poder hoje, há uma substituição da militância ardorosa e apaixonada de que o Lula iria mudar tudo, essa paixão não existe mais. Mas, entre universitários acho que isso não morre nunca, senão você fica muito cético aos 20 e poucos anos. A esperança tem sempre que existir”.




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